segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A loura, a minissaia e o espanto!

A minissaia já é cinquentona e ainda provoca espanto. Quando surgiu provocava uma certa aflição, estampada nos olhares atônitos de jovens que seguiam longas pernas ou nem tanto, que passavam...atraentes, provocantes, empolgantes, que faziam empolgados rapazes arriscarem-se a um galanteio, daqueles que não dá pra segurar...Criada numa cidade de clima frio, era acompanhada de coloridas meias de lã. Nas cidades de clima quente, o sucesso foi imediato. De primeira foi utilizada pela galera mais descolada no mundo da moda e, sobretudo, no trato social mais liberado, caindo em seguida nas graças da geral, que começou a encontrar variadas maneiras de apresentação cada vez mais ousadas.
Nas cidades praianas ou de frente para rios, pode-se dizer que foi como se aquela vestimenta já estivesse pronta na cabeça das pessoas, de tão natural o uso de roupa curta em locais quentes e de beira de praia. De mar ou de rio. Nas cidades "sem frente" sempre houve certa reserva para vestimentas mais arrojadas, pois o próprio ambiente torna o trato social algo mais fechado. Coisa para sociólogos de plantão. Mas a realidade da facilidade, da graça e da beleza da minissaia se firmou ao longo do tempo. E mesmo manifestações públicas de desaprovação, que chegaram a agressões a algumas arrojadas moças pareciam coisa de um passado enterrado e esquecido.
Mas qual!!!
Semana passada, mês de outubro desta primeira década do terceiro milênio, século XXI, pasmem! Uma garota jovem, loura, bonita, foi perseguida dentro do campus de uma faculdade em Sampaulo...Isso mesmo: a metrópole que se pretende a noviorque brasileira tem dessas coisas. Um escracho. A loura de olhos verdes abusou. A beleza, como disse o poetinha, é fundamental...mas tem que pagar seu preço, complementa a juventude irada dessa escolinha...Sim, escolinha. Afinal, a instituição é avaliada pelo que mostram seus alunos e egressos. Se uma garota é agredida, se não pode circular livremente no pátio interno de uma escola, esta é uma escolinha. Não a do professor Raimundo, pois lá as beldades circulam livremente. Mas a loura de minissaia teve a ousadia de sair da sala de aula e ir ao banheiro. Lá foi alcançada por duas dezenas de garotas, sim garotas, que tentaram obrigá-la a vestir calças compridas...Estavam, certamente, desconcertadas pela atração que a loura provocava, e exigiam que ela fosse embora. Alunos em geral se aproximaram. Queriam tocar na loura, fotografar...seu rosto, pernas e, pasmem novamente, até por debaixo da minissaia...Um professor deu proteção à loura, levou-a à sala. Os alunos começaram a chutar a porta e a exigir que o professor "deixasse a moça com eles"...Claro que, no meio disso tudo, os impropérios rolavam soltos. A polícia foi chamada e a loura deixou a escola escoltada.
A loura, em soluços, disse à reportagem que jamais imaginaria cena destas numa faculdade, onde as pessoas se apresentam para melhorar conhecimentos, aprender a se relacionar harmonicamente com o diferente, a ser, enfim, uma pessoa melhor. Disse ainda que utiliza transporte público diariamente vestindo minissaia. Recebe muitos galanteios, ouve assovios, mas nunca agressões...
É...nesses bancos de escola em que a preocupação com a nota e o vale-tudo profissional leva vantagem sobre as relações, sobre as condições, sobre o respeito, sobre o convívio, sobre a vida com livre arbítrio de cada um, os aprenderes possíveis são somente aqueles que movem os sentimentos de grupos, grupelhos, gangues...sobretudo dos ressentidos, sem auto-estima suficiente para fazer o que lhes dá na telha, pois não têm coragem de destoar da gangue. E demonstram que, na realidade, o que a loura mostrou foi algo muito além das pernas, foi a pequenez da alma de cada uma daquelas pessoas que se sentiram agredidas por tamanha desfaçatez de alguém se apresentar sem temor do ridículo que é a opinião alheia sobre a vida pessoal de alguém. Talvez, nessa escolinha, e não apenas, esteja na hora de uma lida rápida nos escritos de Hannah Arendt, em "A condição humana", pois é do desrespeito com o diferente que brota o autoritarismo latente em cada mente que pretende uniformizar comportamentos.

Um comentário:

Flávia Lima disse...

Pessoas comuns, ambiente comum, dia qualquer, episódio intrigante. Confesso que ainda o estou digerindo.
"É do desrespeito com o diferente que brota o autoritarismo latente em cada mente que pretende uniformizar". Às favas os padrões, os rótulos, as convenções globalizantes!
Excelente blog, caro professor. Adorei o texto!
É uma honra visitá-lo. Voltarei sempre.