sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Eu, você, o outro: Nós?

Acordei de um sonho estranho. Revelador. Tentava eu atravessar uma grande avenida cuja confluência envolvia o cruzamento de veículos e pedestres de várias direções, exigindo, portanto, redobrada atenção de cada um dos participantes dessa travessia necessária. Enquanto aguardava a abertura do sinal, veio-me à mente a história relatada por Hermann Hesse num de seus livros (Viagem ao Oriente, se não me falha a memória), em que mais ou menos conta o seguinte: um velho barqueiro oriental é reconhecido por um dos passageiros no momento em que faz a travessia de um rio numa remota região indiana. O ocidental o interpela, indagando as razões de ele ter abandonado a vida de fausto que então levava quando o conheceu no Ocidente. O velho não se deu por achado e nada respondeu. Seguiu firme no leme da embarcação, olhos fixos no infinito, do outro lado da margem que deveria alcançar. Impaciente, diante da chegada iminente, o ocidental insistiu em saber. O velho sorriu. Aportou, olhou para seu interlocutor e recomendou que se sentasse num banquinho sob uma grande árvore. Passou a relatar etapas de sua vida na juventude exagerada que levara, experimentando tudo que o mundo material lhe pudesse proporcionar, no afã de saciar seu espírito exigente de aventuras e de experiências extraordinárias. O tempo passou. E com esse passar ele percebeu que a passagem é o melhor de tudo. As pessoas estão loucamente apressadas em passar de um estágio a outro, que, por vezes, não chegam a perceber a beleza da passagem, e que ele mesmo perdera tempo demais em suas buscas, que acabaram se revelando vazias, razão pela qual ele, agora, encontrara a tranqüilidade, enquanto observava os afoitos rostos de seus eventuais companheiros de viagem, em buscas frenéticas sobre o que poderiam encontrar do outro lado, sem se dar conta das belezas oferecidas pelas ondulantes águas do rio, do frescor do vento no rosto, da mudança de tom no céu durante o balanço da embarcação. Da alegria de partir de um ponto e chegar seguro a outro, utilizando uma velha embarcação da qual ninguém se lembrou de pedir garantias... Nesse exato momento – pondera o velho – ele se deliciava com o prazer de lhes proporcionar uma travessia suave e tranqüila.
O sinal abriu. Apressei-me em avançar, como as outras pessoas a meu lado. Mas, de algum ponto que nos escapou surgiram carros e motos em grande zoada, obrigando-nos a voltar rapidamente para a calçada, enquanto ouvíamos uma caçoada do bando que passava – Mas vocês, hein?
Finalmente conseguimos chegar ao outro lado. E lá estava, na calçada, com sua moto, um dos caçoadores. Sem capacete, retirando encomendas da moto, assustou-se quando dele nos aproximamos. Sorriu nervosamente, amarelo, e fez menção de desculpar-se – Nada disso é preciso, disse-lhe uma velhinha a meu lado. Você, agora, é um de nós.
Quem são os outros?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lula, Dona Canô, e o destemperado no Programa do Jô

Caetano Veloso disse que Lula fala errado. Nenhuma novidade. Criticou também o modo como apresenta o governo, dizendo que antes [com FHC] era melhor. Novidade nenhuma, partindo dele (compositor, provocador, estudioso de filosofia, sociologia e adepto de modismos outros, além de narcisista contumaz, autor do epíteto “A Falha de S. Paulo”, num momento em que se indispôs com algo publicado pela “Folha”, diário paulistano) . A novidade foi que Dona Canô, mãe do músico, disse a Lula, por telefone, que não gostou das declarações do filho, e que delas discordava. Importante notar que a crítica de Caetano a Lula foi publicada num texto que o baiano escreveu em artigo na Folha de S. Paulo, por ocasião da morte do antropólogo francês Claude Lévi-Srauss, a quem faz referência numa de suas composições.
O resumo da história da conversa entre Lula e Dona Canô saiu na Folha de domingo, 22 de novembro de 2009 (p. C8). Sob o almodovariano título “Tudo sobre minha mãe”, o texto diz: “Lula e Dona Canô, 102, mãe de Caetano Veloso, se falaram por telefone nesta semana, depois de ela ter discordado de declarações do filho sobre o presidente...”. Ok. Quem sabe ler sabe entender. E quem não sabe? Ou não leu?
Quem só assistiu ao Programa do Jô de segunda-feira, 23 de novembro, além de ver um novo e ótimo grupo musical, ficou com outra impressão do episódio da crítica a Lula. Havia lá um cidadão sendo entrevistado que estava mais disposto a fazer discurso. Ele começou com uma destemperada declaração contra o governo e a diplomacia brasileira por causa da visita do presidente do Irã a Brasília. Pregava o isolamento total, o totalitarismo, chegando quase a babar. Inicialmente (e surpreendentemente) Jô parecia anestesiado diante do discurso do cidadão a quem ele chamara como sendo um “jornalista polêmico” – melhor se tivesse dito panfletário – e manifestou certo desconforto ao interferir, o que conseguiu a duras penas, o que convenhamos, não é comum em seu programa. Disse que era preciso que falassem do assunto sobre o qual ele havia sido convidado para o programa. O cidadão consentiu. Assoou o nariz, disse que não estava irritado (Jô disse: “tá sim, tá sim”), e continuou, sem dar vez ao Jô. Atacou o governo por pretender controlar a imprensa, como na ditadura. Jô interveio e disse que, naquele tempo, houve censura etc. e tal. O cidadão não se deu por achado, e disse claramente que, naquele tempo a imprensa não fez o que deveria ter feito (“imprensa tem que ser contra o governo”), pois o que existia era uma continuidade do que vinha da era Vargas, com quem Samuel Wainer era mancomunado e outros jornalistas com outros governantes. Disse mais: “nós, depois da ditadura, fizemos uma imprensa profissional (?). Agora, cada um tem sua opinião, sua preferência, tudo muito claro”. E arrematou: “o Lula não gosta de crítica. O Caetano criticou Lula e ele [Lula] ligou pra mãe dele [Caetano]”.
Aí o cidadão saiu do tom de vez, ficou de pé, instou a platéia e bradou: “Cuidado, se alguém aí criticar o Lula, ele liga pra tua mãe”. Pois é, nessa altura a cara do Jô dava aquela impressão de quem está pensando: quem foi na produção que chamou esse cara? ... Coisas de um programa ao vivo, em que um cidadão mal intencionado se utiliza do espaço riquíssimo para alardear opiniões sob encomenda. Pelo que se lê do que está escrito na Folha, a questão não foi essa. Logo, o cidadão distorceu. Além disso, deveria citar outro governante, José Serra. Este, quando não gosta do que escrevem/falam sobre ele, liga para a redação do jornal, revista, tevê, rádio, e pede a cabeça do autor da reportagem, quiçá também do editor... Não deve ser o caso desse cidadão, pois deixou claro que, de alguns governantes, ele fala bem.
Prefiro ficar com Millôr Fernandes, para quem imprensa é, sempre, oposição. Fora disso, “é armazém de secos e molhados”.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Vírus e sua utilidade

Ele não pede licença. Instala-se e, pronto. Tá feito o estrago. Toda uma gama de informação a respeito de como se dá tal instalação deixa muito a desejar se o cara não for um interessado estudioso dos detalhes de membranas, envelopes, ácido ribonucléico e outros que tais... Agora, tem um brasileiro que decidiu demonstrar como se deu (se dá) “A História da Humanidade Contada pelo Vírus”. O livro é de autoria do médico infectologista Stefan Cunha Ujvari (Editora Contexto, 2008), que conseguiu trazer a genética, definitivamente, para a área das ciências do homem. Miscigenação, conflitos, êxodos, fortalecimento e enfraquecimento de povos, enfim, o nome do livro resume tudo isso, mas sob a inesperada visão do vírus.
Pois é esse talzinho aí me pegou. Segundo a ótica especializada de quem fez a análise da [minha] situação, ele já tava instalado, “adormecido”, só esperando o melhor momento pra entrar em ação. Esse momento é descrito como baixa de resistência. Então, o bicho não tava dormindo coisa nenhuma. Tava é muito do esperto esperando o momento certo de entrar em ação. Penso até que ele deve ser discípulo do Sun Tzu (A Arte da Guerra), que recomenda exatamente isso aos soldados que querem vencer uma batalha: esperar o momento exato de uma certa fraqueza do adversário.
Conta-se que o primeiro vírus da influenza chegou ao Brasil com a República, em 1889. Teria vindo num navio que trouxe mercadorias de Hamburgo, com um exemplar do vírus russo a bordo. Depois, em 1918, com a famosa febre espanhola, mais tarde com a asiática, a de Hong Kong, a aviária, a suína – também chamada de mexicana – tudo porque é preciso identificar o mal e a sua origem. Mas muito disso pode ser história mal contada ou intencionalmente fabricada. Pois se é verdade que muito do que se escreve é feito com muita pesquisa [como no caso do dr. Ujvari que fez extenso trabalho consultando mais de quatro centenas de pesquisadores internacionais], há também muito jogo de interesse e sobretudo, de escapatórias. Pois não pega bem para uma potência mundial ver seu nome associado a um mal que dizima a humanidade sem piedade. Assim, se aconteceu num território específico, mas pode-se dar um ´jeitinho´ pra atravessar a fronteira e alardear que ´foi do lado de lá que começou´...
A famosa gripe espanhola que dizimou 50 milhões de pessoas (número ainda em discussão, que gira entre 30 milhões e cem milhões de pessoas), não seria espanhola coisa nenhuma. A origem do nome teria se dado em razão de ter sido a Espanha o país que identificou e tipificou o vírus. Daí... O que se diz agora é que, “não se sabe ao certo se a origem do vírus teria sido os Estados Unidos da América ou a China”, mas o mal ficou conhecido como “epidemia espanhola”.
Tem um livro de uma jornalista norte-americana, Gina Kalek, que se debruçou sobre o tema e escreveu “Gripe: A História da Pandemia de 1918”. Pode ser interessante, quase um século depois...
E, há um quarto de século, o vírus migrou da biologia para a tecnologia, atingindo mortalmente as máquinas ditas infalíveis. A exemplo do que acontece na biologia, que um novo vírus vem sempre associado a um laboratório específico que tem um remédio ´x´ e já está desenvolvendo a vacina ´y´, também com o surgimento do primeiro vírus de computador, quando quase nada se entendia do que estava acontecendo, aparecia o nome de dois irmãos, com telefone e tudo o mais, para ´qualquer serviço de reparo para recuperar máquinas danificadas´...
Fértil terreno de pesquisa.
Ainda mais quando se pensa que a varíola, dada como extinta, pode ser acionada a qualquer momento, pois boas cepas do vírus "estão muito bem guardadas" em laboratórios nos Estados Unidos e na Sibéria. Dois locais até bem pouco tempo em ferrenha disputa pela hegemonia mundial...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

205, 203, 204...uma olhadinha nos telejornais

O dia era da Bandeira, 19 de novembro, dedicado ao símbolo nacional. Mas quem deu bandeira mesmo foi o jornalismo da Globo: no JG, 205; no BDBR, 203; no GE, 205. A referência numérica diz respeito à quantidade de dias que faltam para o início da Copa do Mundo de Futebol, a ser realizada ano que vem, em solo africano. No JG (Jornal da Globo, no ar na madrugada de 5ª feira, dia 19), Cristiane Pelajo disse: "A duzentos e cinco dias da Copa do Mundo são conhecidas as trinta e duas seleções que participarão do torneio na África do Sul". No BDBR (Bom Dia Brasil, apresentado na manhã de 5ª feira, dia 19), Renata Vasconcellos leu um texto parecido com o do JG, em ordem invertida: "Conhecidas as trinta e duas seleções que vão participar da Copa do Mundo, daqui a duzentos e três dias". Já no GE (Globo Esporte, no ar na tarde de 5ª feira, 19), Glenda Koslowski foi firme: "A duzentos e quatro dias da Copa..." O telespectador dos três noticiosos ficou com uma certeza: a Copa do Mundo será na África do Sul e dela participarão 32 seleções. Quanto aos dias faltantes...melhor consultar o calendário.
E agora que virou moda os apresentadores de telejornais darem ´toque´ ou mesmo ´advertência´ ao telespectador, difícil chegar ao fim de uma notícia em que não venha um desses ´toques´. Foi assim no JH (Jornal Hoje dessa mesma 5ª feira). Depois de uma reportagem com adolescentes "que pagam mico" diante de certas atitudes dos pais [que revelariam que os pais estão fora de moda], a apresentadora Sandra Annemberg mostrou a luz no fim do túnel, e sapecou: "É bom lembrar que esses jovens, adolescentes agora, serão pais e mães no futuro, e vão enfrentar esse problema".
Oooh!!!, que revelação...
"Ô Cride, fala pra mãe, que a televisão me deixou burro, muito burro demais..." diz o refrão de um hit dos Titãs, lembrando um personagem criado pelo humorista Ronald Golias. Ele, Golias, num programa de tevê, sempre que ia dizer alguma besteira lascava o bordão: "Ô Cride, fala pra mãe..."
Pois é: a prepotência de quem faz televisão (e agora também jornalismo, que virou uma produção pra agradar) é imaginar que só lida com idiotas. Será que a interação prometida pela TV Digital mudará esse quadro?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

This is America. But...

América Central, América do Norte, América do Sul. Nessa ordem, se for pra seguir o alfabeto...Enfim, América.
Mas, qualquer um que já tenha visitado Miami ou não, sabe que 60% da população é composta por latinos (sim, os latino-americanos), e o restante, não sendo latino, fala castelhano ou arremedos dele, ainda que sejam norte-americanos. Da Flórida, até o Alabama, é essa a ordem das coisas. Mas, ao cruzar com um americano "wasp", o vocábulo discricionário que identifica os "americanos de verdade" - w= white(branco); as= anglosaxão (a ascendência britânica, colonizadora); e p= protestante, a religião predominante -, o latino recém-estabelecido em território alienígena (sim, porque mesmo sendo americano, do Sul, do Centro, é discriminado), tem um choque ao ouvir, de forma arrogante: "This is America", disse-me Dácio, que morou em Miami em 1994, representando uma empresa brasileira que tinha negócios lá. Ele lembra que, naquele ano, disputava-se a Copa do Mundo de Futebol em território norte-americano, mas, nos jornais locais (Miami Herald, em inglês e espanhol), somente uma linha, no pé da página dava os resultados dos jogos. Todo o espaço era ocupado com "as coisas da América", deles...O que é o futebol?, coisa de subdesenvolvidos. Eles só lutaram pra promover a Copa do Mundo em troca do capital - a velha e boa grana - que, certamente, amealharam...This is America!
Ok!, eu já sabia. Eu também sou América. Rarará. Isso é o que diria José Simão - o debochado colunista da Folha de S. Paulo -, porque não dá pra levar a sério tamanha arrogância dos também colonizados, como de resto toooda América. Afinal, os que na América (Central, do Sul ou do Norte) chegaram cuidaram de aniquilar a vida anteriormente existente, fazendo com que qualquer sinal de civilização pré-estabelecida fosse eliminada.
Muito bem.
Isso posto, façamos um pequeno paralelo com a crise vivida atualmente em Honduras, onde um presidente eleito pelo voto democrático foi deposto do cargo e um fantoche assumiu o posto, num claro golpe de estado, arrostando a lei e se autointitulando o defensor da legalidade. Se a Carta Constitucional foi aviltada (o presidente deposto foi retirado de sua residência em pijamas, sob a mira de metralhadores e embarcado em avião para fora do país, ferindo a legislação local), como autoproclamar legalidade?
Muito se tem escrito a esse respeito, sobretudo para condenar (aqui no Brasil) a posição brasileira de dar asilo ao presidente deposto que buscou guarida na embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Recomendo a leitura do artigo do jornalista José Arbex Jr. na revista "Caros Amigos" de outubro/2009, p.7, em que diz: A "crise de Honduras" sintetiza e ilumina um momento histórico ímpar na história mundial. Pela primeira vez, desde 1823, quando James Monroe formulou a doutrina que leva o seu nome ("a América para os americanos" - quando, de fato, tinha em mente "a América para os estadunidenses"), Washington, nitidamente, perdeu o controle e a iniciativa sobre os desenvolvimentos políticos e sociais na América Latina e no Caribe.
E Arbex continua: O papel assumido pelo Brasil, nesse quadro, tem dimensão explosiva: em nome dos princípios democráticos que devem nortear a relação entre os Estados, o governo brasileiro não se limitou a "condenar" o regime golpista, nem se contentou com sanções limitadas. Isso pode inaugurar uma nova etapa da relação do Brasil com a comunidade mundial das nações, e abrir o caminho para novos desdobramentos democráticos na América Latina.
Na conclusão de seu artigo, Arbex lembra: "Desde 1823, o jogo entre as nações do planeta tinha na Doutrina Monroe um de seus parâmetros. Nenhuma outra potência mundial sequer tentou, seriamente, disputar a hegemonia dos Estados Unidos na região (exceto no famoso episódio dos mísseis de 1962, quando a então União Soviética tentou transformar Cuba em plataforma de lançamento de mísseis nucleares). Hoje, a Doutrina Monroe, pela primeira vez, começa a fazer água, mas não num quadro qualquer, e sim no da maior crise enfrentada pelo capitalismo desde 1929".
A grita é grande (de parte encomendada da crítica) contra o posicionamento adotado pelo governo brasileiro. E, sobretudo, por ter o deposto governo hondurenho se alinhado com o venezuelano na Alba. Mas, tudo faz sentido, se lembrarmos que, em abril de 2002, Washington apoiou uma frustrada tentativa de golpe para depor Hugo Chaves (que tem a ver com a cassação da concessão de uma emissora de TV que defendeu o golpe), e que também fracassou ao tentar fabricar uma guerra civil para acabar com o governo do ´cocalero´ Evo Morales na Bolívia, em 2008.
Yes, we are America!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Uni - Tali - ban

E a universidade fez coro com os retrógrados, vândalos, sádicos e totalitários. Num ato que demonstra a plena identidade com o que de pior poderia ser gerado em ambiente acadêmico de verdade, a Uniban, agora identificada com o Taliban, expulsou da escola a garota Geisy (a que provocou uma onda reacionária há duas semanas por causa de uma minissaia), "por ferir os princípios da instituição", segundo o departamento jurídico da Uniban. Agora, só falta baixar uma lei obrigando o uso da ´burca´ - aquela roupa que cobre o corpo todo das mulheres muçulmanas - pelas alunas que ainda puderem frequentar algum curso ali, pois para o Taleban, mulher não tem que estudar, só cuidar dos filhos...Lembram disso? Será que nessa faculdadezinha algum dia alguma aluna poderá apresentar um trabalho sobre o "Women´s Lib"???
Mas do MEC vem a advertência: "Uma universidade tem uma obrigação educacional que precisa estar presente em todos os momentos. É um local não apenas de convivência, mas de formação de valores [...] O MEC tem o dever de pedir explicações [à faculdade]. Esse caso me parece ter um forte caráter de gênero. Seria a mesma coisa em um caso de racismo", disse Maria Paula Dallari, secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação. Maria Paula também disse que a escola revela preconceito de gênero, pois em nota paga publicada nos jornais, a escola justifica a expulsão alegando que a estudante usava roupas curtas e tinha atitudes provocativas, que teria resultado em uma "reação coletiva de defesa do ambiente escolar" - pasmem! -. A secretária também diz que causou estranheza o fato de Geisy ter sido expulsa enquanto os alunos que provocaram o tumulto terem sido penalizados com suspensão. Na nota, a escola aponta como acertada a decisão de uma sindicância interna, pois houve desrespeito aos "princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". Rárárá, seria a reação do colunista da Folha, José Simão, que criou um neologismo para os estudantes dessa escolinha: universotários. Dignidade acadêmica??? O que é isso?, para uma instituição que não respeita a dignidade do diferente no ser humano?

Tempos estranhos esses...

O promotor criminal e membro do Movimento do Ministério Público Democrático, Roberto Livianu, não tem dúvida: "a Uniban meteu os pés pelas mãos. A atitude representa um profundo e lamentável desrespeito às mulheres, é um pensamento arcaico". Nenhuma organização pode ter leis acima da Constituição, e é o que se verifica neste caso, segundo o advogado constitucionalista Pedro Estevam Serrano. Ouvido pela Agência Estado, o professor da PUC de São Paulo, considera: "Há algo ainda mais grave, que é o indício de que a universidade tenha agido com preconceito de gênero contra a aluna, ferindo o artigo 46º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que determina o respeito à diversidade e à tolerância".

O Taleban e a "reação coletiva" da turba da Uniban...

Para o psicanalista e colunista da Folha de S. Paulo, Contardo Calligaris, "as turbas têm um ponto em comum: detestam a ideia de que a mulher tenha desejo próprio". Para ele, os alunos que saíram de suas aulas (naquela noite de 22 de outubro) e se aglomeraram numa turba para xingar, tocar, fotografar e filmar a moça, se assemelham às hordas da Idade Média: "Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantadas, eles pareciam uma ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa [...] Entre esses boçais, houve aqueles que explicaram o acontecido como um ´justo´ protesto contra a ´inadequação da roupa´ da colega. Difícil levá-los a sério."
Pois, levando-os a sério, a direção da Uniban mostra que está mais para Taleban e, agora, vai ter que se explicar ao MEC que tem fatos suficientes para cassar a licença da escola.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Saudades de 67...

O intrigante caso da agressão à garota de minissaia aconteceu numa universidade de São Bernardo do Campo, cidade do ABC Paulista que fez história, com movimento sindical ousado, que afrontou a ditadura militar com a primeira greve que deixou assustado os poderosos de plantão, ainda que não tivesse outra intenção que não apenas melhorar o rendimento familiar, de modo a pôr na mesa o sustento da família e sonhar com melhores dias para os filhos.
Pois é, a cidade cresceu, e a outrora "República de São Bernardo" dá lugar a uma pujante cidade onde proliferam cursos superiores, tendência já delineada nos tempos do movimento sindicalista, então liderado pelo homem que hoje comanda a Nação. Grandes homens se fizeram à margem dos bancos escolares, mas nunca desprezando o saber, o conhecimento, a cultura do seu povo.
Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o jornalista e escritor Ruy Castro dá nome à loura agredida por universitários enfurecidos: Geyse. Ela foi e é perseguida por ostentar a modernidade que os demais sequer sabem como expressar. Castro diz ter saudades daqueles anos de 1967, "quando nós, os rapazes do 1º ano do curso de ciências sociais da FNFi (Faculdade Nacional de Filosofia), no Rio, víamos com muito prazer o fato de que a maioria das meninas da turma ia de minissaia à aula".
"Não eram minissaias sóbrias, a menos de um palmo do joelho, como o vestido de Geyse. Eram muito mais curtas. E nenhuma das moças, por mais bonita, fazia aquilo para provocar. Elas eram modernas, liberadas e gostavam de namorar". E ele acrescenta que elas só namoravam quem elas queriam. Lutar? Só contra a ditadura militar, que lhes salpicava coxas e canelas com pequenos cortes dos estilhaços espalhados pelas bombas de "efeito moral", ao contrário dos rapazes que, de calças jeans, tinham as pernas protegidas...
Depois veio o período de trevas de 1968, que parece rondar a cabeça de quem sonha com o totalitarismo da moda quarenta anos depois.
O enfrentamento, com graça e coragem, segundo Castro, não tirou das moças o perfil de seriedade de estudantes dedicadas, que completaram seus cursos. "Muitas pagaram o preço [da luta contra os militares], na forma de prisão, tortura, exílio ou morte de alguém próximo (...) mas se tornaram respeitadas em suas carreiras".
A que carreiras estarão encaminhando seus cursos os agressores de Geyse?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A loura, a minissaia e o espanto!

A minissaia já é cinquentona e ainda provoca espanto. Quando surgiu provocava uma certa aflição, estampada nos olhares atônitos de jovens que seguiam longas pernas ou nem tanto, que passavam...atraentes, provocantes, empolgantes, que faziam empolgados rapazes arriscarem-se a um galanteio, daqueles que não dá pra segurar...Criada numa cidade de clima frio, era acompanhada de coloridas meias de lã. Nas cidades de clima quente, o sucesso foi imediato. De primeira foi utilizada pela galera mais descolada no mundo da moda e, sobretudo, no trato social mais liberado, caindo em seguida nas graças da geral, que começou a encontrar variadas maneiras de apresentação cada vez mais ousadas.
Nas cidades praianas ou de frente para rios, pode-se dizer que foi como se aquela vestimenta já estivesse pronta na cabeça das pessoas, de tão natural o uso de roupa curta em locais quentes e de beira de praia. De mar ou de rio. Nas cidades "sem frente" sempre houve certa reserva para vestimentas mais arrojadas, pois o próprio ambiente torna o trato social algo mais fechado. Coisa para sociólogos de plantão. Mas a realidade da facilidade, da graça e da beleza da minissaia se firmou ao longo do tempo. E mesmo manifestações públicas de desaprovação, que chegaram a agressões a algumas arrojadas moças pareciam coisa de um passado enterrado e esquecido.
Mas qual!!!
Semana passada, mês de outubro desta primeira década do terceiro milênio, século XXI, pasmem! Uma garota jovem, loura, bonita, foi perseguida dentro do campus de uma faculdade em Sampaulo...Isso mesmo: a metrópole que se pretende a noviorque brasileira tem dessas coisas. Um escracho. A loura de olhos verdes abusou. A beleza, como disse o poetinha, é fundamental...mas tem que pagar seu preço, complementa a juventude irada dessa escolinha...Sim, escolinha. Afinal, a instituição é avaliada pelo que mostram seus alunos e egressos. Se uma garota é agredida, se não pode circular livremente no pátio interno de uma escola, esta é uma escolinha. Não a do professor Raimundo, pois lá as beldades circulam livremente. Mas a loura de minissaia teve a ousadia de sair da sala de aula e ir ao banheiro. Lá foi alcançada por duas dezenas de garotas, sim garotas, que tentaram obrigá-la a vestir calças compridas...Estavam, certamente, desconcertadas pela atração que a loura provocava, e exigiam que ela fosse embora. Alunos em geral se aproximaram. Queriam tocar na loura, fotografar...seu rosto, pernas e, pasmem novamente, até por debaixo da minissaia...Um professor deu proteção à loura, levou-a à sala. Os alunos começaram a chutar a porta e a exigir que o professor "deixasse a moça com eles"...Claro que, no meio disso tudo, os impropérios rolavam soltos. A polícia foi chamada e a loura deixou a escola escoltada.
A loura, em soluços, disse à reportagem que jamais imaginaria cena destas numa faculdade, onde as pessoas se apresentam para melhorar conhecimentos, aprender a se relacionar harmonicamente com o diferente, a ser, enfim, uma pessoa melhor. Disse ainda que utiliza transporte público diariamente vestindo minissaia. Recebe muitos galanteios, ouve assovios, mas nunca agressões...
É...nesses bancos de escola em que a preocupação com a nota e o vale-tudo profissional leva vantagem sobre as relações, sobre as condições, sobre o respeito, sobre o convívio, sobre a vida com livre arbítrio de cada um, os aprenderes possíveis são somente aqueles que movem os sentimentos de grupos, grupelhos, gangues...sobretudo dos ressentidos, sem auto-estima suficiente para fazer o que lhes dá na telha, pois não têm coragem de destoar da gangue. E demonstram que, na realidade, o que a loura mostrou foi algo muito além das pernas, foi a pequenez da alma de cada uma daquelas pessoas que se sentiram agredidas por tamanha desfaçatez de alguém se apresentar sem temor do ridículo que é a opinião alheia sobre a vida pessoal de alguém. Talvez, nessa escolinha, e não apenas, esteja na hora de uma lida rápida nos escritos de Hannah Arendt, em "A condição humana", pois é do desrespeito com o diferente que brota o autoritarismo latente em cada mente que pretende uniformizar comportamentos.