quarta-feira, 23 de abril de 2008

A morte inspirada e revivida na tevê

'Here, there and everywhere' era apenas o título de uma canção dos Beatles, jovem e inocente conjunto de rock que revolucionou a Inglaterra, e o planeta, no início dos anos '60 do século passado ('To live a better life, I need my love to be here' é uma baladinha que embalou muitos casais nos, então famosos, bailinhos de formatura). 'Here, there & everywhere', ou, 'Aqui, ali e em qualquer lugar', agora, são outra coisa. É a presença massificada de câmeras de todos os tipos, aqui, ali e em todos os lugares...Sim, a presença maciça da tevê, seja em câmera tradicional, de vídeo, digital, celular, na praça, na esquina, no computador, em casa, no trabalho...o Big Brother previsto por George Orwell, escritor inglês na primeira metade do século passado, é uma presença real no cotidiano do ser humano hoje. Pra se ter uma idéia, Londres tem uma câmera para cada 14 pessoas que circulam pela capital britânica...É o controle total. No Guarujá, litoral Sul paulista, há câmeras na praia, controlando o movimento de banhistas, motoristas, ambulantes, siris, sereias...Na rodovia Castello Branco, que liga São Paulo ao Paraná, as câmeras estão ao longo da pista (em que foi flagrado o determinado motorista que, em certo momento, decidiu dar meia-volta e dirigir 4 km na contramão até encontrar a morte no parachoque de uma carreta que não conseguiu desviar). E captam tudo, instaladas a cada dois quilômetros, de modo a controlar todo o movimento dos motoristas, mesmo quando no interior de seus veículos. Esse verdadeiro Big Brother invade escolas, onde já há denúncias de exposição de intimidades pela rede mundial, flagradas em banheiros escolares (o controle das escolas não vê limites à privacidade...e é nas escolas!). O outro Big Brother, o de mentirinha, não atinge ninguém. É na tevê, e pela tevê. Somente os voyers entendem. E se entendem.

Câmera muda o cenário

Quando é de verdade, uma câmera altera completamente o ambiente. Lembro de várias situações em que isso aconteceu. A mais mais que me vem à memória é aquela vivida por uma equipe do SBT de São Paulo, nos tempos do 'Aqui Agora' quando uma adolescente ameaçava se jogar do alto de um prédio de 11 andares, e já estava quase se rendendo à negociação, mas, repentinamente tomou a decisão, ante a espetacularização da presença de uma equipe de reportagem com a fantástica lente da câmera apontada para cima e a chusma gritando 'pu-la, pu-la'. A garota pulou. A emissora enfrentou um processo que durou alguns anos, ao final dos quais teve que pagar um milhão de reais de indenização à família, tendo sido responsabilizada pelo gesto desesperado da garota, por ter montado o show que a atraiu.
Com os olhos bem abertos, estão todos atentos aos movimentos da televisão quando mostra pai e madrasta desesperados querendo sair de casa pra ir até a delegacia depor no inquérito em que são acusados de terem promovido a morte da pequena Isabela, de apenas 5 anos...O processo está correndo. Mas a
população já quer a condenação dos dois. A tevê mostra à exaustão as cenas em que as provas são colhidas, em que o casal caminha, em que o comentarista opina, em que o delegado fala, em que o promotor fala...incrível, eles também não podem ver uma câmera que já querem abrir o bico. Então, essa de dizer que a tevê provoca a população, nada mais é do que a televisão repercutindo o que tem mesmo que repercutir. Afinal, a autoridade fala, a tevê tem que dar. Se está exagerando, é outra questão. E é uma questão que merece reflexão, sim. Porque a exposição da tevê pode estimular espíritos menos elevados a querer se mirar no espelho da telinha para ganhar notoriedade...Senão vejamos: a cada vez que a tevê se empenha numa cobertura exaustiva de um caso, pode-se perceber uma espécie de reverberação que revela casos semelhantes sendo noticiados em diferentes lugares...Em Belém do Pará, assim que o caso Isabela se instalou incessantemente no vídeo, foi resgatado um caso muito parecido, de 5 anos atrás, da garota Jéssica, de 6 anos, igualmente atirada do sexto andar de um edifício. O principal suspeito (nunca condenado), é um irmão de criação da garotinha, que alimentava ciúme doentio por causa dos cuidados que a mãe dispensava a Jéssica...Agora, em pleno momento em que a polícia de Sampaulo está para anunciar a prisão do casal incriminado na morte de Isabela (com imagens na tevê das quais ninguém consegue escapar), um crime hediondo, de características similares, abala os paraenses: um padrasto mata (por esganamento), o garoto Yuri, de 11 anos. O motivo?, a mãe do menino havia expulsado de casa o padrasto explorador e ele decidiu, então, se vingar da ex-mulher matando o filho dela. Teria matado também o irmão de Yuri, de 8 anos. Este escapou da morte porque faltou à escola, onde o padrasto apanhou Yuri, sob a falsa alegação de que o levaria para a mãe, Andréa. Em vez disso, levou o menino para um barraco previamente alugado e o esganou com a corda do punho de uma rede. Preso, logo em seguida, na cidade de Ananindeua, região metropolitana de Belém, Edvaldo não só confessou o crime como acrescentou que o fez com gosto, para se vingar da ex-mulher que o expulsou de casa por estar cansada de sustentá-lo...Edvaldo foi parar na tevê, onde inventou uma historinha, dizendo-se arrependido, e que teria praticado o crime a mando da mãe...A intenção, certamente, é prolongar a exposição televisiva...O caso do psicopata que assassinou o garoto Pethrus, de 4 anos, em Bragança, é diferente. Ele já havia sido preso há 10 anos, acusado de abusar sexualmente e matar, em seguida, um garota de 12 anos. Ex-oficial de justiça, estava em liberdade e era amigo da família do garoto assassinado que, segundo as primeiras informações, sofreu abuso.Também este, diante da tevê, disse ser inocente...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

12 anos esta manhã

Ao rever as imagens daquele fatídico 17 de abril de 1996 não pude conter a emoção que senti, naquele dia, vendo as imagens de Osvaldo Araújo, registradas com sua câmera apontada para a cena do crime. Estava no comando do telejornal da TV Liberal da hora do almoço quando chegaram as três fitas gravadas por ele em Eldorado do Carajás. A obrigação de gerar o material antes para a Rede Globo, no Rio, me fez esperar longos 20 minutos da primeira fita, enquanto rolava o jornal. Chamei o produtor, saí do Switcher, e fui conferir a Geração. Confirmei com o Rio e, sim, a primeira fita já estava liberada. Desci rapidamente as escadas. Ainda tínhamos entre 5 e 6 minutos até o final do jornal. Entreguei a fita ao Exibe e pedi que selecionassem pelo menos dois minutos com imagens do confronto pra serem mostradas com off do locutor em estúdio. Fita bruta. Recebi a confirmação de que havia mais de cinco minutos que poderiam ser mostrados em seqüência (sem imagens comprometedoras, como facões cortando cabeças, balas estraçalhando pessoas, essas coisas). Ok. Derrubei uma retranca de 2'30" e ordenei ao locutor que pegasse a nota (até então pelada) que abriu o jornal. Ele reclamou que iria repetir texto. Disse a ele que não. Bastava ler a linha de abertura: 'O MASSACRE DE ELDORADO DO CARAJAS'...Expliquei a ele que, a partir daí entrariam imagens no ar, e nem seria preciso dizer mais nada. Lá estavam, de um lado, os soldados armados com potência suficiente para conter um exército fortemente armado, e, do outro lado, homens, mulheres e crianças que corriam empunhando paus, foices, facões, desordenadamente. A corrida em direção aos soldados só se estabeleceu depois que uma rajada de metralhadora derrubou um manifestante que estava na linha de frente. Isso só se entende olhando as imagens uma segunda vez, pelo menos. A repórter da TV Liberal, Mariza Romão, estava de saída do local e voltava pra fazer um stand-up quando se deparou com a dantesca cena... Em depoimento, ontem, o sobrevivente do massacre, José Carlos Moreira (levou um tiro na sobrancelha e perdeu um olho) disse estranhar muito que, dentre os cerca de cinco mil manifestantes, os 19 mortos eram todos da equipe de liderança do MST. Fato estranhíssimo, que as armas e munição pesada não estavam com o esquadrão policial que, tecnicamente, negociava com os manifestantes. Todo armamento chegou num ônibus que ficou estrategicamente estacionado, com tudo à mão para municiar os soldados no momento determinado pelo comandante Pantoja.
Dos 155 militares presentes no teatro do massacre, 144 foram a julgamento, e dos que foram condenados, nenhum está preso. Já dentre as viúvas e mutilados no massacre, ninguém recebeu indenização. Sequer recebem tratamento médico adequado...

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Matadores de crianças. O homem mata por prazer.

Qual o motivo que leva uma pessoa a desejar a morte de uma criança?
A criança incomoda? Interfere na relação? É uma nova relação e a criança é de outra e traz imagens ruins?
A situação está acontecendo na novela das 8. A nova namorada do pai da criança vê instabilidade na relação a cada vez que o pai e a mãe se vêem, em circunstâncias em que é necessária a presença dos dois a propósito de um encontro com a criança. A namorada fica irritada e, até, arquiteta a morte da criança...Num gesto supremo, de ação inusitada, a criança escapa. É novela.
Na vida real: uma menina de 5 anos passa o final de semana com o pai. Também estão juntos a madrasta e os dois filhos desse novo relacionamento do pai. A mãe vive só. E permite que a filha passe o final de semana com o pai. Coisa natural: afinal, são todos muito unidos. Mas o final é trágico. É vida real.
Essa tragédia tem sido assunto diário no noticiário nacional e as pessoas comentam por toda parte: o pai é o culpado. É a madrasta, dizem outras. Tudo leva a crer que seja esse mesmo o final. Ou um desses. Pelo menos, a trajetória das notícias parece indicar isso mesmo. Se é isso, o que teria levado a esse desastrado ato? Afinal, só pensando que foi um ato desastrado, para se imaginar que tenha sido praticado por um ser humano...E diretamente e intimamente ligado ao pequeno, inocente e alegre ser. Uma vida que se vai no seu desabrochar. Vidas incompletas de tantos quantos esperavam vê-la crescer, feliz com sua alegria possível. Com suas realizações possíveis. Com os amores, agora impossíveis. Que o dia o rosto da mãe na homenagem derradeira. A camiseta com a foto da 'estrelinha' estampada no peito...
O que leva um ser humano a matar outro ser humano?
O homem é o único no reino animal que mata por prazer, não por necessidade.

Carandiru, Candelária & Carajás: a volta do C.C.C.

CCC
o temido tríplice 'C'
dos anos de chumbo
identificava uma trupe aloprada
que se autodenominava
Comando de Caça aos Comunistas.
Cometiam as maiores barbáries contra
pessoas, jornais e bancas de revistas, que
eram incendiadas, sob a acusação de vender
revistas e/ou jornais ditos subversivos.
E deixavam a sinistra assinatura:
C.C.C.

Os tempos mudaram. Os anos de chumbo
servem de argumento para minisséries de tevê
e o sinistro tríplice 'C' está de volta.
Com roupagem nova,
mas aniquilando tão mortal e descaradamente
quanto o temido predecessor de triste lembrança.
Carandiru, Candelária, Carajás.
Esse é o nome do novo trio,
se considerarmos isoladamente
os fatos que os cercam. Senão vejamos:

C1.Carandiru,
1992. No maior presídio da
América Latina, como bem gosta o brasileiro,
de ter tudo maior, também teve
o maior massacre que se tem notícia.
Pessoas encarceradas,
desarmadas,
servindo de alvo à prática de tiro
indiscriminado de sedentos policiais brutalizados,
acompanhados de cães que despedaçavam
os corpos dos que fugiam da balaceira.
Oficialmente: 111 mortos.
Nos depoimentos de sobreviventes
(um deles ainda resiste vendendo água num
cruzamento de grande movimento em
Sampaulo),
mais de trezentos...

C2.Candelária,
1993. Onze garotos chacinados por
sedentos policiais irritados porque os garotos,
que dormiam à porta de uma igreja (da Candelária),
haviam testemunhado ações violentas dos PMs,
espancando cidadãos...
Imagine a cena: na calada da noite,
meio da madrugada, crianças espalhadas
pela calçada, dormindo, em situação de
extrema penúria. Chega uma equipe
de policiais, bem vestidos, coturnos altos
e armas, muitas armas, que despejam
munição nos frágeis corpos que
se despedaçam...
Nem todos morrem. Os que escaparam
da sanha assassina foram despachados
para fora do país, adotados por estrangeiros,
pois não poderiam ficar, ameaçados, marcados
para sempre.
Um dos sobreviventes (que ficou no Brasil)
foi o triste protagonista
do pânico dentro do ônibus 174.
Desistiu, se entregou, e foi morto
no carro de polícia em que estava preso.
O drama dentro do drama.

C3.Carajás,
1996. Curva do 'S' da estrada PA 150,
Eldorado de Carajás.
Centenas de trabalhadores sem-terra
interditam a pista pedindo a desapropriação
de terras inativas...O governador Almir Gabriel
liga para o coronel Pantoja
e diz pra desimpedir a pista.
O coronel não tem dúvidas: convoca seu esquadrão,
que empunha pesadas armas com grande potencial
de tiros, e parte pra cima dos homens,
mulheres (e até crianças), que empunham
paus e foices...A cena lembra um exército
brancaleone contra guerreiros do futuro.
A repórter Mariza Romão estava lá.
Já estava de saída e voltou pra fazer um stand-up
quando se deparou com a dantesca cena.
O cinegrafista nem se posicionou. Apenas apontou
a câmera, e começou a gravar as imagens que
ficaram registradas na memória de
quem as viu.
Ao final, 19 mortos e dezenas de mutilados.
Há depoimentos de gente que viu caminhonetes
da polícia retirando corpos do local
que nunca mais foram vistos. Enfim, os dados
não são definitivos. O que se sabe é que
os autores da chacina estão soltos. E as
viúvas dos trabalhadores assassinados
nunca viram um tostão de indenização.
Carajás, Eldorado para quem?

domingo, 6 de abril de 2008

A Justiça falha quando tarda.
O velho adágio popular diz que "a Justiça tarda, mas não falha". Não sei onde foi que vi esse texto, mas me chamou a atenção essa mudança de atitude em relação à Justiça, com letra maiúscula, que cedo entendemos ser a razão maior da existência, vez que acertaria todas as contas, as vistas e a que estão por vir... Durma-se com um barulho desses, pois, a Justiça, em tardando, certamente muito mal já provocou...É o que vimos nos nossos tristes dias. Veja-se, por exemplo, a juíza encarregada de observar a aplicação da Justiça numa comarca do interior paraense, em Abaetetuba, onde uma garota (adolescente, pré-adolescente, jovem, quase jovem???) foi parar numa cela, enjaulada com vinte marmanjos que dela fizeram uso, abusaram etc e tal...E a tal juíza, que deveria ser a guardiã da Justiça, diz que não sabia de nada. Pior, quando assumiu saber, disse que não era com ela...E o pessoal (aqueles, supremos, escolhidos a dedo, organizadinhos em reduto fechado, muito bem pagos, muito bem acolhidos, muito bem resguardados, muuuito bem protegidos) que faz parte do grupo da juízazinha, tira o corpo fora, e vota apoiando a atitude sem atitude da juizazinha, que estando lá, no local onde tudo aconteceu, diz não saber de nada, que não viu nada, nem mesmo quando (diz) visitou o tal local...Nuuunca viu uma só cela em que estivesse uma mulher com homem...Também disse nunca ter ouvido falar de algum lugar no Pará em que tal infâmia (!) tivesse acontecido...Uau!, que mundo fantástico dese ser esse dessa juizazinha. Ela é funcionária pública. Isto é: paga pelo público. O público somos nós, cara pálida. Sabia disso? Pois é, nós: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Não eles, do Poder Judiciário. Eles estão à parte. Sequer sabem do que acontece por aqui. Mesmo quando são os responsáveis por saber. Fazem de conta que sabem, e vão tocando as vidinhas deles. Medíocres. Bem pagas, sim, por nós. Mas, medíocres. E, pior, fazendo mediocremente seus trabalhos. Aliás, trabalhinhos....Que nunca, nunca, mesmo, ninguém vai saber do que se trata. Até que aconteça uma barbárie, como essa que se viu em Abaetetuba. E, aí, espera-se uma manifestação fulminante, daquelas que se vê em filmes, com um juiz utilizando seu poder (dado pelo povo, vez que é dele representante), e dirigindo sua sentença massacrante. Mas, nada. Pífia atuação. Traque junino em dia de chuva, pfiuuuuu. E, então, a cena muda de local. Não está mais numa cidadezinha do interior. Está na Capital. Está no plenário da Corte máxima. E a população, em êxtase, diz: agora sim. Agora seremos vingados. Agora veremos justiça. E o que se vê: uma cortezinha acovardada, manifestando o vulgarmente conhecido ´espírito de corpo´, fazendo coro com a incompetência, votando em favor da mediocridade. Aliviando o peso da sobrepeliz emplumada que sombreia os votos encobertos dos pobres pares. Pobres no sentido da falta de atitude, de altivez, de Justiça. de prestação de serviço público, alinhando-se com a pobreza de determinação de quem deveria, sim, exercer soberbamente o poder que lhe foi conferido. Mas, preferiu acovardar-se, escondendo-se sob esse infame manto que tudo esconde. Esconde, sobretudo, uma casta infeliz. Rica nos rendimentos, nos prazeres, nos lucros, na própria soberba, garantida pelos inertes pares. Mas, infeliz, vez que totalmente divorciada da vocação da Justiça que se propõe identificada com o povo. Ainda mais se se refletir sobre a posição do ´venerável´ desembargador que virou as costas a quem recriminou a atitude do Tribunal...E, note-se, quem fez a crítica é ninguém menos que uma advogada, presidente da Ordem dos Advogados do Pará...Já imaginou se fosse simplesmente um ser do povo? Esse mesmo, que garante os salários dos magistrados???