sábado, 15 de agosto de 2009

Liberdade, liberdade...

"Liberdade, liberdade,
abre as asas sobre nós".

É bonito e inspirador o refrão do Hino à República. Virou até tema de samba-enredo num Carnaval carioca de muito sucesso. Mas qual, menino e marmanjo ainda precisam comer muito feijão-com-arroz pra viver, plenamente, essa tal de liberdade.
Para o jurista Walter Ceneviva, "no regime democrático, a liberdade não acolhe a ofensa de direitos individuais, mas determina que a ação judicial para protegê-los não ofenda a liberdade informativa e de crítica, elemento fundante de defesa da sociedade". Em seu artigo na ´Folha de S.Paulo´ deste sábado, Ceneviva observa que o artigo 5º da Constituição Brasileira afirma ser inviolável a liberdade de manifestação do pensamento, sob a ressalva de que o manifestante seja identificado, ante a vedação do anonimato.
No artigo 220, vê-se que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação são livres, observado o disposto na mesma Carta Magna. E o jurista conclui que houve censura judicial da mídia: "Os limites a serem respeitados acabaram gerando consequências nefastas quando serviram para justificar limitações muito além das ressalvas referidas, afrontando a interpretação adequada da liberdade fundamental. Foi o que ocorreu, há pouco, com a violação da liberdade do jornal ´O Estado de S.Paulo´.
De acordo com Ceneviva, o direito constitucional aceita que o Judiciário possa punir quem se exceda na manifestação do pensamento, MAS NÃO PERMITE QUE O VEÍCULO JORNALÍSTICO SEJA PROIBIDO, POR ANTECIPAÇÃO, DE TRANSMITIR NOTÍCIA, INFORMAÇÃO OU CRÍTICA A RESPEITO DE QUEM QUER QUE SEJA, pessoa determinada ou não de cargo público. "Vedar publicação futura referente a qualquer pessoa supostamente ameaçada por matéria que órgão de comunicação pretenda divulgar viola princípio básico da Carta Magna, ofende a essência jurídica da comunicação livre, do veículo e da comunidade".
Como se recorda, recentemente, por decisão de um juiz do círculo de amizades do presidente do Senado, o jornal ´O Estado de S.Paulo´ foi proibido de dar informações sobre processo da Polícia Federal contra o filho dele, Fernando Sarney. Os dois teriam negociado em segredo e fechado um acordo para dar um cargo público ao namorado da neta de José Sarney. Acordo fechado, o emprego foi garantido por ´ato secreto´ do diretor do Senado, nomeado há 14 anos por ninguém menos que o próprio Sarney, em sua primeira passagem pela chefia do Senado, depois de deixar a presidência do País em frangalhos, amargando à época, inflação superior a 5.000% ao ano... Não é brinquedo não.
Agora, o jurista Walter Ceneviva considera o caso da censura ao jornal ´O Estado de S.Paulo´ "mais grave quando se soube das relações familiares do magistrado com pessoas envolvidas ou parentes delas. Justificou que a suspeição fosse invocada. Suspeição é a condição em que se encontra o juiz quando sua imparcialidade possa ser posta em dúvida no julgamento de causa, incidente ou ato em que intervenha".

A lição que vem da cadeia

A questão da liberdade de imprensa está mesmo mexendo com as pessoas, pois estão percebendo que lhes está sendo negado direito garantido na Constituição Brasileira. Assim é que o médico Drauzio Varella quebrou uma tradição de quase dez anos. Ele escreve sobre saúde pública semanalmente no ´Folhão´. E hoje, saiu do trilho. Decidiu invocar a liberdade de imprensa que está sendo alvo de ataque que poderá degringolar ainda mais, provocando sabe-se lá o quê. O médico diz o porquê de ter decidido entrar na seara política: "Os últimos acontecimentos de Brasília foram tão desconcertantes e chocaram a nação de tal forma, que ignorá-los seria omissão. No trato da administração pública, chegamos a níveis de desfaçatez e de imoralidade assumida incompatíveis com os princípios éticos mais elementares. Para os que ganham a vida com o suor do próprio rosto, é revoltante tomar consciência de que parte dos impostos recolhidos ao comprar um quilo de feijão é esbanjada, malversada ou simplesmente desapropriada pela CORJA DE APROVEITADORES INSTALADA HÁ DÉCADAS NA CÚPULA DA HIERARQUIA DO PODER" (grifo meu).
Observa que é ainda mais chocante ter a certeza de que esses crimes dos poderosos jamais serão punidos, por mais graves que sejam. E ele cita um caso que presenciou quando trabalhava na antiga Casa de Detenção de São Paulo (no Carandiru), onde fazia um trabalho de prevenção à AIDS. Conversando com os presos, a televisão estava ligada, um dos detentos apontou para o aparelho ligado no horário político, no qual discursava um candidato, e disparou: "Olha aí, senhor, dizem que esse homem levou 450 milhões de dólares. Se somar o que todos nós roubamos a vida inteira, os 7 mil presos da cadeia, não chega a 10 por cento disso".
E o médico conclui: "A esperança está na prática da democracia. Se a Justiça não pune os que se apropriam dos bens públicos, a liberdade de imprensa é a arma que nos resta, a única que ainda os assusta".
Tem toda a razão. Se não fosse por isso, por que, então, mandar calar o ´Estadão´?
Quando deixou a Presidência da República, para a qual foi guindado sem ter recebido um voto sequer, Sarney foi alvo de uma charge do Millôr Fernandes que fez enorme sucesso: um Sarney pequenino, quase um bebê, mas já com o mal-pintado bigodão, sentado num peniquinho, e dizendo: "acabei, mamãe". Infelizmente, ele ainda não acabou, como lembrou dia desses o Ruy Castro numa crônica.

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