domingo, 2 de agosto de 2009

A lei, ora a lei...

"Lei de Imprensa: pior sem ela".
Esse é o título do artigo do jurista Walter Ceneviva, a propósito da extinção da velha Lei de Imprensa (nº5250, editada em 1967), publicado na Folha de S.Paulo, à página C2 (09.maio.2009), considerando que, apesar de formalmente votada pelo Congresso, foi sancionada pelo marechal-presidente Castello Branco, e continha muitas imperfeições, pois o objetivo era cercear a liberdade. Em sua ementa (considerada falsa pelo jurista) estava escrito: "Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação". O jurista observa que o verbo ´regular´ significava o oposto: limitou a informação aos termos aceitos pelos governantes.
O STF (Supremo Tribunal Federal), ao considerar revogados os artigos da velha lei, considerada ´entulho autoritário´ prestou homenagem a preceitos democráticos relevantes: era produto da ditadura e, portanto, inconstitucional. Mas, segundo o jurista, o STF incidiu em contradição, pois desde a retomada democrática julgou várias vezes questões com base na norma extinta.
Inegável a origem espúria da Lei de Imprensa e defeitos dela decorrentes, era um referencial, "e acabou sendo instrumento útil para preservar a atividade jornalística nas mídias impressa e eletrônica, depois da ditadura, ao assegurar a proteção da privacidade, garantir o direito de resposta, a limitação de indenizações decididas pelo Judiciário (...) é pior a falta de lei do que ter a de 1967. A razão jurídica se relaciona com a defesa da liberdade de informação".
Para o jurista com quem compartilhei espaço na redação da Folha, no início dos anos 1980, ainda sob a ditadura militar, onde muitas e muitas dúvidas eram ali mesmo trazidas à luz pelo grande estudioso das leis, conhecido pela lhaneza de trato, a falta de um referencial pode deixar a causa jornalística ao sabor dos humores de um ou outro juiz de uma comarca que interceda em favor deste ou daquele amigo e/ou protegido...
Muitos estranharam o posicionamento do jurista.
Mas, agora, diante de dois fatos recentes, talvez seja momento de reflexão. Senão vejamos: há duas semanas um colunista de humor da Folha foi proibido de citar em sua coluna o nome de conhecida atriz da tevê, que faz comercial de cerveja em trajes mínimos, enaltecendo seus dotes físicos como atrativo e chamariz para o consumo da bebida. A proibição se deu por ela se sentir ofendida pelo fato de o colunista dar destaque aos...dotes físicos.
Outro fato, bem mais relevante, em razão da abrangência embora da mesma natureza, foi a proibição de o jornal O Estado de S.Paulo divulgar fatos referentes ao escândalo em que se transformou a própria família Sarney...Os fatos são de domínio público. Claro que só se tornaram públicos a partir do momento em que alguém, conhecedor do assunto, quis dele tirar proveito, talvez por não ter alcançado algo que pretendia ou porque sofreu algum impedimento em suas pretensões. A atuação jornlística no Congresso é sofrível, do ponto de vista investigativo. A malversação de dinheiro público, e os conchavos entre senadores foram denunciados por Rui Barbosa em 1899, somente dez anos depois da proclamação da República. Passados mais de cem anos, não seria o caso de os jornalistas conhecerem sobejamente os trâmites para saber onde atuar para, de fato, se comportar como o 4º poder?
Muito bem. As leis existem, mas podem servir a um propósito ou a outro. Disso bem o sabem os advogados (talvez a categoria com o mais ferrenho ´espírito de corpo´ ou corporativismo), experts nas ´interpretações´ da lei. Quando o STF decidiu acabar com a exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão, acompanhando o voto de Gilmar Mendes, relator do processo, o ministro Peluso disse que o diploma só é necessário em profissões que exigem o domínio de ´verdades científicas´.
Rebatendo tal argumento, escreveu o advogado e professor universitário Carlo José Napolitano: "Todo aluno de primeiro ano do curso de Direito sabe que essa é uma ciência onde não há ´verdades científicas´. Nesse sentido, segundo o entendimento do ministro Peluso, para ser juiz, promotor, advogado etc. não é mais preciso frequentar um curso de Direito. Infeliz pois essa definição deverá ficar a cargo do Legislativo, e não do Judiciário, que, mais uma vez, se intrometeu em um assunto que não lhe diz respeito" (Folha de S.Paulo, 19.junho.2009, Painel do Leitor, pg.A3).
A lei, ora a lei...

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