domingo, 3 de agosto de 2008

A Perfect Day

Foi pequena a pressão sentida na primeira vez que ouvi a voz rouca de Lou Reed entoando “I wish you a perfect day...”. Afinal, éramos jovens, e o que é que tem demais ter um dia perfeito?, pois os consideramos todos eles (os dias) perfeitos, quando jovens. Pois somos jovens, ousados, livres, arrogantes e, sobretudo, tolos, como convém à juventude. O mundo nos pertence. Foi por isso que Cara (nome estranho esse) não deu atenção à mãe, que lhe pedia para ficar em casa, no instante mesmo em que ela se preparava para sair. Nenhuma das duas sabia que era um último adeus. Se soubessem, teria tido afeto no coração da garota e lágrimas nos olhos da mãe. Ao contrário, a frieza. A mãe ameaçava acionar a polícia para impedir a partida brusca, ao mesmo tempo em que Cara se apressava a acomodar na mochila tudo o que imaginava precisar no tempo em que ficaria fora. Mas a viagem, como a vida, não é precisa. 'Navegar é preciso', disse o poeta, pois a arte da navegação tem regras precisas. Não a vida. Esta, de verdade, só depende da precisão de ser vivida. E assim, com 17 anos e um par de chuteiras, Cara saiu de Londres para viver no Brasil o sonho de ser jogadora de futebol. Queria ser brasileira. Odiava os dias garoentos e a neblina londrina. Ao contrário de muita alma colonizada daqui que aspira dias de neblina, neve e...sem o saber, de muita solidão. Cara não. Já visitara o país e desejava dias de sol, de alegria, de campos de futebol, enfim, dias perfeitos...Mas, dizia outro poeta, 'a perfeição é uma meta, defendida pelo goleiro'...E como apenas um defende enquanto onze atacam, volta e meia a casa cai...Cara não contava com isso. Nem a amiga que deixou pra trás e que com ela conversava diariamente pela rede mundial. A amiga estranhou a ausência de contato por 72 horas. Ficou intrigada. E teve um sobressalto quando viu a tatuagem original de Cara num pedaço de corpo humano que a polícia encontrou na periferia de uma cidade goiana. Foi a amiga, lá de Londres, quem deu o alerta. E a polícia brasileira encontrou outros pedaços. Achou ainda o assassino. Também jovem. Igualmente ousado, arrogante e com o agravante da perversão. A ponto de matar a garota que atraiu para sua casa e, em seguida, sair para a balada, não antes de fotografar o cadáver. Depois retalhou o corpo e espalhou os pedaços. Planejou fazer tudo perfeito. Só não contava com a perfeição da amizade que, mesmo distante, foi suficiente para o alerta que acelerou o coração da mãe que chora agora por não ter atravessado a rua para impedir, ainda que pela força, o desejo incontrolável de Cara...Essa mãe sabe que jamais voltará a ter dias perfeitos. Mas a amiga, certamente, nos londrinos, frios e tediosos dias, terá razões de sobra para encontrar a perfeição em mínimos e tolos detalhes. Lou Reed tem razão.

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